(Reprodução/Instagram)
Pouco depois das seis horas da manhã do dia 8 de fevereiro, a Polícia Federal bateu às portas do apartamento do ex-comandante da Marinha Almir Garnier, em Brasília. Por ordem do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, os investigadores tinham orientação para recolher documentos, computadores, telefones e armas no imóvel. Sozinho em casa, o próprio Garnier recebeu os policiais, mas conforme registram os autos de busca e apreensão, chamou a atenção dos agentes uma postura suspeita do militar.
Depois de terem se identificado, ele tiveram de esperar alguns minutos até poderem entrar na residência – o que, por si só, não é indicativo de nada – mas foi digno de nota para os investigadores o fato de o almirante ter entregado o telefone celular em modo avião, situação em que não é possível monitorar o portador do aparelho por meio de antenas de telefonia, e sem o aplicativo de mensagens WhatsApp. Dias antes, Garnier utilizava normalmente o app – no caso dele com a função de destruição de conversas a cada sete dias.
A Polícia Federal registrou assim o ocorrido: “Constato que o investigado Almir Garnier Santos demorou para cerca de alguns minutos para abertura da porta da residência. Constato também que após abrir a porta o celular do investigado encontrava-se em modo avião, sem o aplicativo WhatApp instalado!”
Interlocutores do ex-comandante da Marinha disseram a VEJA, sob condição de anonimato, que havia um particular interesse dos investigadores na apreensão de eventuais armas, mas nenhuma foi encontrada no apartamento.
O que o ex-comandante Almir Garnier vai dizer à Justiça?
Com a cabeça a prêmio por ter sido apontado como o único comandante militar a supostamente ter anuído com um golpe de Estado, Almir Garnier já tem prontas as linhas gerais de sua defesa a ser apresentada ao STF. Entre outros pontos, ele pretende alegar que teria dito na fatídica reunião de dezembro de 2022 que suas tropas estavam “à disposição” do presidente “desde que o pedido fosse constitucional”. Para avaliar a legalidade do que eventualmente fosse demandado, Garnier deve dizer ao Supremo que havia uma espécie de departamento jurídico na Marinha responsável por separar o joio do trigo.
À Justiça também vai afirmar que não há nenhuma possibilidade de ele ter trocado mensagens de endosso ao suposto golpe com o ex-ajudante de ordens Mauro Cid, que fechou um acordo de colaboração premiada, e declarar que tampouco houve consultas reais para acionar o Comando de Operações Navais, braço da corporação que, na prática, poderia ser instado a endossar a insurreição.
Em sua defesa, deve argumentar também que, na época da reunião, o então chefe da área de operações era o atual comandante da Marinha Marcos Sampaio Olsen e que o próprio militar disse a diferentes interlocutores que nenhuma sondagem, ainda que informal, foi feita para adesão à virada de mesa eleitoral.
Nos documentos que vai apresentar ao STF, Almir Garnier negará ter dado endosso ao golpe e também vai se apegar na suposta falta de provas concretas das acusações de Cid, já que, pela versão do delator, a afirmação de que o almirante teria consentido com uma ruptura institucional nunca foi presenciada pelo próprio ex-ajudante de ordens. Em sua delação, Mauro Cid afirma que deixou a sala de reuniões onde estavam os três comandantes e Jair Bolsonaro antes das deliberações feitas pelos quatro e diz que coube ao então chefe do Exército, general Freire Gomes, relatar a ele o que teria ocorrido.
Depoimentos indiretos, ou “de ouvir dizer”, como Garnier deve alegar ser o caso, sem a efetiva apresentação de provas de corroboração não são válidos como prova de incriminação. Neste caso, complica a construção desta narrativa o fato de os dois ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica terem prestado longos depoimentos à Polícia Federal de forma mais alinhada a Cid.
Um último flanco de defesa do ex-comandante da Marinha está baseado na tese de que, apesar das declarações de Mauro Cid e dos depoimentos dos ex-chefe do Exército e da Aeronáutica, não haveria nenhum “ato concreto” de Garnier que pudesse ser enquadrado como crime.
Por este raciocínio, ainda que Alexandre de Moraes e os demais ministros do Supremo considerem que de fato havia um golpe em curso, o Código Penal estabelece que quem, de forma voluntária, desistir de prosseguir na execução de um ato só responde pelo que de fato praticou até o momento da desistência. Almir Garnier acredita que, como não teria havido nenhum desdobramento concreto de sua parte após a reunião, nada deveria ser imputado a ele.
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