Conteúdos alegando que o Tribunal de Contas da União (TCU) teria autorizado o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) a ficar com joias recebidas em uma viagem oficial à Arábia Saudita foram visualizados mais de 275 mil vezes nas redes sociais. As publicações começaram a circular em 8 de agosto de 2024, um dia após o TCU autorizar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a manter um relógio recebido em 2005. Embora o precedente possa influenciar o caso de Bolsonaro, até 15 de agosto de 2024, o tribunal não havia proferido decisão nesse sentido.

Após decisão do TCU confirmar finalmente que jóias pertencem a Bolsonaro, ele as leiloará e doará o dinheiro para a Santa Casa de Juiz de Fora, que o socorreu da facada em 2018”, diz a legenda de um vídeo publicado pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) no X e republicado por outros usuários no Facebook, no Instagram e no Threads.

A sequência viral mostra o trecho de um discurso do ex-presidente em um evento ocorrido em 10 de agosto de 2024 em Recife, no qual ele afirma que o conjunto de joias é seu e que por isso o leiloaria para ajudar a instituição de saúde.

TCU aprovou devolução das joias ao Bolsonaro”, lê-se em uma inscrição sobre outro vídeo que circula com a mesma alegação no TikTok, no Kwai e no YouTube.

Captura de tela feita em 13 de agosto de 2024 de uma publicação no TikTok

Entendimento do TCU

Os conteúdos começaram a circular nas redes após o TCU decidir que Lula poderia ficar com um relógio recebido em 2005, durante seu primeiro mandato, do então presidente francês Jacques Chirac. Segundo o novo entendimento do tribunal, não há legislação específica que caracterize presentes recebidos por chefes de Estado como bens públicos.

Até então, prevalecia o Acórdão 2.255/2016 do TCU, segundo o qual a União deveria incorporar ao seu patrimônio os presentes recebidos por presidentes em visitas oficiais ou viagens ao exterior.

A exceção prevista em 2016 valia apenas para itens perecíveis e de natureza “personalíssima”. Na decisão de 2024, no entanto, o TCU entendeu que não haveria um parâmetro preciso para caracterizar os bens de natureza personalíssima e que, até que lei específica discipline a matéria, não é possível determinar que os bens sejam incorporados ao patrimônio público.

A nova definição pode influenciar o caso das joias no qual o TCU apura se houve irregularidade na tentativa de entrada no país de presentes recebidos pela comitiva do então presidente Jair Bolsonaro durante uma viagem à Arábia Saudita, em outubro de 2021. No entanto, até o momento, o tribunal não tomou nenhuma decisão afirmando que as joias “pertencem a Bolsonaro”, como dizem as publicações nas redes.

O caso também fez com que o ex-presidente fosse indiciado pela Polícia Federal por peculato, associação criminosa e lavagem de dinheiro, acusado de se beneficiar de um esquema ilegal para vender as joias e outros artigos de luxo recebidos pelo Brasil como presentes oficiais.

Segundo especialistas consultados pelo Checamos, embora a nova decisão do TCU possa afetar a avaliação do episódio das joias em relação a Bolsonaro no tribunal, esse hipotético novo entendimento não afetaria o caso na esfera criminal.

Caso das joias

Uma consulta ao processo em curso no TCU (TC 003.679/2023-3) permitiu verificar que não foram proferidas novas decisões no caso das joias desde março de 2023. Naquele mês, o tribunal havia determinado que o ex-presidente entregasse os objetos à Caixa Econômica Federal.

Em nenhum dos acórdãos foi informado que Bolsonaro teria direito sobre as peças. Uma busca no Google por publicações do TCU contendo as palavras-chave "Bolsonaro" e "joias" igualmente não retornou decisões ou notícias nesse sentido.

Procurada em 13 de agosto de 2024, a assessoria de imprensa do TCU confirmou ao Checamos que até o momento não havia decisão da corte sobre o mérito do processo, nem decisão autorizando o ex-presidente a ficar com as joias. O tribunal informou ainda não haver data prevista para que o caso fosse votado em plenário. Até a publicação desta checagem, a situação permanecia igual.

Após a decisão favorável no caso do presidente Lula, a defesa de Jair Bolsonaro pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) o arquivamento da investigação criminal sobre o caso das joias. O pedido foi encaminhado pelo ministro Alexandre de Moraes à Procuradoria Geral da República (PGR) para manifestação. Até 15 de agosto de 2023, o STF não havia decidido pelo arquivamento da investigação.

Relógio de Lula x joias de Bolsonaro

Para Daniel Capecchi, professor de Direito Constitucional e Administrativo na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o julgamento no caso do presidente Lula pode influenciar o de Jair Bolsonaro no TCU. "É possível que a compreensão do acórdão do TCU [no caso do presidente Lula] sobre a ausência de uma lei específica, que discipline a natureza dos bens recebidos por Presidentes, afete o julgamento do mesmo órgão em relação ao Presidente Bolsonaro".

Contudo, uma possível decisão favorável no TCU não afetaria necessariamente o inquérito da PF. Isso porque os parâmetros adotados e as condutas analisadas são distintos.

"A inexistência de ilegalidade no controle das contas públicas não significa a inexistência de crimes - cuja apuração é mais ampla", observou Capecchi.

Isso porque, além do crime de peculato que poderia ser caracterizado a partir da apropriação dos bens, há outras possíveis ilegalidades a serem observadas, explica Antonio Martins, advogado e professor de Direito Penal da UFRJ e da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). "Em tese, por exemplo, poderiam estar configurados crimes de falsidade, tributários ou de lavagem de capitais", apontou.

Em declarações dadas à imprensa (123), o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, reforçou que a decisão do Tribunal de Contas não necessariamente interfere nas investigações da PF.

O Checamos já verificou outro conteúdo sobre o caso das joias.

Referências