E eu, ao contrário de muitos, enxergo algo positivo nisso, que é a guinada que a política brasileira do país deu ao centro, saindo da mão da esquerda. Um parêntese: óbvio que na prática não adianta nada, pois o STF, que tem o real poder, possui ideologia de esquerda, “progressista”, já que foi aparelhado pelo PT - mas esse é um outro assunto, que não guarda relação com o presente texto.
O que quero registrar aqui é que fica claro a mudança no viés da política brasileira, que virou ao centro, como eu já vinha falando há algum tempo.
Se enxergarmos que, como direitistas e conservadores, esse é o nosso teto, é o máximo que conseguiremos dentro de um sistema político (carcomido e putrefato) como o brasileiro, com a atual composição partidária, reconheceremos que foi de fato uma vitória, o que é algo bom.
Agora vamos à parte ruim de tudo isso. A tal vitória a que me referi acima é, repito, dentro do atual ambiente brasileiro, com as regras do jogo que possuímos.
Existe algo que precisa ser dito, e que muita gente não está preparada para ouvir, ou, se está, se recusa a enfrentar o assunto: a federação brasileira.
O modelo federativo que existe no Brasil condenou-o a nunca, jamais, em tempo algum, sair do local em que está, tanto política quanto economicamente, e que impede que o país atinja todo o seu potencial como Nação.
De nada adianta alguém dizer que “luta contra o sistema”, sem entender o que é esse sistema. O “sistema” é o modelo federativo que temos. É a divisão de competências dos entes federativos, as atribuições dos órgãos federais, e especialmente as competências regimentais dos Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) da União, Estados, Municípios e Distrito Federal, e a forma de repasses federais e arrecadações tributárias.
Além da questão da distribuição de competências entre os Entes Federativos existe também a grave distorção na política federativa do Brasil. Basta se ver, por exemplo, a fixação do número de cadeiras para a Câmara de Deputados, com um mínimo de 8 para estados menos populosos, como Acre e outros, com um número de eleitores que não chegam a um milhão, a um máximo de 70 para um Estado como São Paulo, que possui mais de 40.000.000 de eleitores.
Com efeito, não é preciso ser um gênio da matemática para perceber que a balança política da representatividade da Federação está desequilibrada, porque é bem mais fácil ser eleito deputado federal em Estados com uma população pequena.
Outra coisa é a figura do 3º senador, algo que o regime constitucional nascido em 1988 absorveu do regime militar e nunca mais revogou, fazendo hoje em dia parte do sistema político da Federação.
Era assim: durante o regime militar, em certo tempo aumentou-se para 3 o número de senadores por Estado, e o nome desse 3º senador era apontado pelo regime (era o tal “senador biônico”).
Ora, os Estados sempre tiveram 2 senadores, desde o início da república, porque isso é um princípio federativo: enquanto os deputados representam o povo, os senadores representam o Estado. E, nesse particular, os eleitores colocavam 2 senadores atuando simultaneamente pelo Estado junto à União. Aliás, assim é nos EUA, cujo modelo federativo foi copiado pelo Brasil na Constituição de 1891, redigida por Rui Barbosa.
Aqui, apenas pequenos exemplos de distorções políticas da federação. Eu poderia passar horas apontando mais coisas, que apenas tornariam fastidiosa a leitura.
O que quero ressalvar é que, como dito antes, esse é “o sistema”, o verdadeiro monstro que possibilita a formação do caos que joga o Brasil no processo subversivo em curso há uns 4 anos.
Portanto, mais uma vez, de nada adianta dizer que “luta contra o sistema” se não compreender o que, exatamente, é “o sistema”.
Não pretendo soar alarmista, mas chegará o dia em que esse modelo federativo errôneo que possuímos inviabilizará o funcionamento do Brasil. E já está o inviabilizando, pouco a pouco.
E daí, diante do caos que pode surgir dessa inviabilização, quando esse dia chegar abrir-se-á campo para aventureiros começarem a discutir seriamente coisas como secessão, por exemplo.
Registro aqui que o Brasil é o caso único na história (ou um dos casos únicos) de um país continental que já nasceu grande, do ponto de vista territorial. Desde o tratado de Madri, em 1750, que nosso país tem praticamente o mesmo mapa. Em nenhuma outra nação continental, repito, foi assim.
Isso foi possível porque o Império Brasileiro possuía um sistema similar a um Estado Unitário, com forte poder Central, com províncias que não possuíam autonomia administrativa, e que eram membros de um mesmo território - o Império do Brasil, com escusas pela repetição.
Certamente, não fosse isso o Brasil teria tido o mesmo destino do restante da América do Sul: esfarelamento em 5 ou 6 repúblicas.
Mas vejo, diante desse panorama econômico, político, e administrativo provocado pelo modelo federativo que possuímos, um risco evidente à higidez territorial continental do Brasil, em um futuro próximo. Se nada for feito para mudar “o sistema”, o desmembramento do Brasil será um processo natural, e até aceitável.
“Mas o que fazer, então, para impedir isso?”, pergunta mentalmente quem chegou até aqui na leitura.
Como disse, muita gente não está preparada para essa conversa, ou se está não quer enfrentar o problema.
Considerando que o atual modelo federativo está na Constituição, foi a própria Constituição que o criou, apenas fezer-se outra (Constituição) corrigindo o modelo ou até mesmo escolhendo-se outro, como o Estado Unitário, por exemplo, que não é um palavrão ou bicho de sete cabeças (a Itália, por exemplo, é um Estado Unitário, e funciona muitíssimo bem), é que seria capaz de mudar o panorama.
A única pessoa que acho que enxergou o problema foi o Deputado Luiz Philippe de Orléans e Bragança, que arregaçou as mangas e tentou fezer algo, redigindo de próprio punho uma nova Constituição, apenas para chamar a atenção da sociedade para o tema. Mas em minha opinião ele mesmo já percebeu que a discussão não avançará jamais, enquanto existir, justamente, “o sistema”.
A nossa federação tem que ser refeita, corrigindo-a, ou então abolida. Lá em 2019 eu fiz um estudo sobre o assunto, em um ensaio que se chama “A Federação Brasileira Às Avessas”, onde tento apontar os erros do nosso modelo federativo, publicado como um capítulo do meu livro “escritos conservadores”. O texto abordou o assunto de forma “en passant” e até mesmo amadora, fora de ambiente acadêmico; mas foi minha forma de refletir sobre o tema e registrá-lo de alguma maneira.
Jamais se “lutatá contra o sistema” apenas se elegendo e reelegendo dentro do modelo político criado por essa federação brasileira em vigor que inviabializará o funcionamento do Brasil em um futuro próximo, a ponto de talvez encorajar oportunistas, surgidos do ambiente caótico, a ações objetivando o desmembramento do território do país.
É isso que pode acontecer, se nada for feito para reverter esse cenário.
Guillermo Federico Piacesi Ramos
Advogado e escritor. Autor dos livros “Escritos conservadores” (Ed. Fontenele, 2020) e “O despertar do Brasil Conservador” (Ed. Fontenele, 2021).