Conhecido como o passaporte europeu “mais fácil”, o documento italiano pode ficar mais restrito. No início de junho deste ano, começou a tramitar no Parlamento da Itália um projeto que prevê o enrijecimento das regras. Apesar de não existir um dado preciso sobre o número de descendentes de italianos no Brasil, estima-se que mais de 30 milhões estejam aptos a solicitar a cidadania. Se esse é seu desejo, é preciso começar logo. Especialistas ouvidos pela Jovem Pan dividem opiniões sobre a possibilidade de aprovação do projeto do senador Roberto Menia, do partido Fratelli d’Italia, o mesmo da primeira-ministra Giorgia Meloni. Caso isso aconteça, além de comprovar laços sanguíneos com algum italiano, também será preciso ter proficiência no idioma – nível B1 – e residência de um ano no país, para os descendentes de pessoas italianas além do terceiro grau. O projeto pretende reduzir a facilidade de aquisição à terceira geração, ou seja, restringir e muito a quantidade de pessoas que podem buscar esse direito. Essas são apenas três das várias medidas que podem ser alteradas na Lei de Cidadania, de 5 de fevereiro de 1992.
Nátali Lazzari, especialista em genealogia e cidadania italiana, fala que há anos existem tentativas de mudança. Hoje, dos 27 países que fazem parte da União Europeia, só a Itália tem uma normativa abrangente. “Muitos utilizam a cidadania italiana como um instrumento para conseguir entrar nos Estados Unidos e Canadá, subsidiar faculdades de filhos e entrar com mais facilidade em aeroportos. O passaporte italiano virou um instrumento”, observa a gaúcha, que mora em Vêneto e lidera a equipe Avanti Cidadania. Há 8 anos, ela também é membro do Instituto Genealógico Italiano. Ela relata que o projeto ganhou mais força depois do crescimento do partido conservador, conhecido por reprimir também o acesso de imigrantes à Itália. O grupo considerado de extrema-direita assumiu o poder em 2022, após a renúncia do premiê Mario Daghi -, e a Lei de Cidadania é de um contexto de esquerda abrangente que abraça muitos.
“Não esperávamos que fosse tão rápido que o projeto fosse apresentado dentro do governo. A orientação é contra os descendentes de italianos. Eles consideram italianos quem é neto de italiano, apenas. Não está certo nem errado, cada um tem sua opinião, mas a visão do governo agora é clara”, fala Lazzari. A especialista acredita que as chances de o projeto ser aprovado são grandes, mas não se pode prever um prazo. Se passar, não deverá afetar quem já iniciou o processo de solicitação de cidadania.
Luciana Laspro, responsável pelo Patronato Enasco em São Paulo e Presidente do MAIE- Brasile (MAIE – Movimento Associativo dos Italianos no Exterior), destaca que as mudanças são propostas para todo o mundo, e não só para brasileiros. “A motivação real por trás dessa alteração é lidar com a avalanche de processos que atualmente sobrecarrega os tribunais italianos, bem como a ineficiência dos serviços públicos italianos, como Consulados e Comunes, que não conseguem dar conta da demanda.” Ela observa que há uma certa percepção de preconceito em relação aos cidadãos italianos nascidos fora da Itália. “Isso pode ser evidenciado pelo fato de que o projeto de lei menciona casos de cidadanias concedidas a pessoas nascidas no exterior que não têm conhecimento do idioma italiano e têm poucos ou nenhum laço com o país.”
Laspro tem uma visão diferente de Lazzari. Ela não acredita que a mudança vá para frente. “Esse projeto, especificamente, não tem possibilidade de ser aprovado na redação como está. De qualquer forma, é importante lembrar que, de acordo com a legislação italiana, os descendentes nascem italianos, não se tornam italianos.” Ela ressalta que o “reconhecimento da cidadania é um procedimento administrativo (ou um processo judicial) de natureza declaratória e não constitutiva. Ele apenas verifica um status que o indivíduo já possui. Portanto, qualquer mudança na lei não afetará aqueles já nascidos”. Daniel Taddone, Conselheiro do CGIE (Conselho Geral dos Italianos no Exterior), tem o mesmo pensamento. “Tentativas de modificar a legislação italiana ocorrem anualmente, às vezes mais de uma vez por ano. Trata-se de uma matéria complexa e de difícil trânsito no Parlamento. A proposta da vez é muito mal estruturada e não tem nenhuma chance de prosseguir tramitação na forma como está escrita.”
Amanda Zanesco, aos 24 anos, está preparando o processo para solicitar cidadania italiana. O possível endurecimento das regras fez com que a família agilizasse a busca por documentos. Agora, eles pretendem fazer o processo pela via judicial, que é a forma mais rápida estando no Brasil. “Ficamos bastante preocupados com essa nova proposta de lei, ainda não sei muito profundamente sobre ela, mas seria bastante tempo de pesquisa e dinheiro jogados fora se não conseguíssemos concluir o processo”, diz. “Passamos em torno de 3 anos apenas nas pesquisas da árvore genealógica, buscando os documentos necessários, alguns deles estavam em cidades que nem existem mais, então tudo isso toma tempo. O documento mais difícil de encontrar foi exatamente o do ancestral que nos dá o direito da cidadania, pois não sabíamos ao certo a cidade em que ele havia nascido, e como as buscas eram de 1900 foi bem difícil a busca no Brasil.”
A maioria dos brasileiros com descendência italiana vive nas regiões Sul e Sudeste. São Paulo lidera o ranking, seguido por Paraná e Rio Grande do Sul – onde acredita-se que 27% da população tem ascendência imigrante italiana, ou seja, um terço dos gaúchos. A Serra Gaúcha é a região que registra a maior parte deles, uma vez que os primeiros imigrantes se estabeleceram em cidades da área. A reportagem entrou em contato com a Embaixada da Itália no Brasil para mais informações sobre o projeto que tramita no Parlamento mas, até a publicação, não havia tido um retorno.
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