Mais uma vez o STF (Supremo Tribunal Federal) brasileiro atua como advogado do petismo, algo tão recorrente nos últimos anos que passamos a achar relativamente “normal”. Em decisão completamente monocrática, Dias Toffoli anulou todas as provas levantadas pelos procuradores do Ministério Público que levaram à condenação em três instâncias do então ex-presidente Lula. Tive o cuidado de ler a decisão do togado, e, entre muitas coisas ali escritas, após misturar palavras difíceis do juridiquês para dar aquele tapa de maquiagem técnica ao seu juízo de valor bizarro, ele afirma que as provas, delações e indícios, peças-chave na única compreensão possível do “uso do Estado por uma organização corrupta” a fim de conseguir benefícios materiais ilegítimos, eram, na verdade, um roteiro de uma grande conspiração de procuradores em busca de proeminência política e sequestro do Estado.
Quando nos encontramos diante de uma montanha de absurdos, confesso ser difícil juntar forças para dizer o óbvio, mas eu tentarei a seguir. Toffoli age tão somente como um advogado de Lula, uma espécie de palpiteiro fanático, alguém que, juntando o acaso de ser um togado da Suprema Corte brasileira com sua ânsia ideológica, dispõe de seu posto para determinar absurdos e declarar sandices que beneficiem seu político-padrinho. A única real inconsistência que há no processo que levou à prisão de Lula em 2018 trata-se da posterior falta de isonomia e de imparcialidade do Supremo Tribunal Federal na anulação desse caso.
Somente na situação do triplex e do sítio de Atibaia ‒ frutos de propina, segundo três instâncias ‒ foram mais de dezoito provas centrais documentadas e aceitas por diversos magistrados, provas agora todas anuladas de uma só vez pela volúpia militante de Toffoli. Tratam-se de documentos apreendidos na sede da Bancoop, na casa de Lula e na OAS; notas fiscais diversas apreendidas na mesma Bancoop e OAS; mensagens de texto de Leo Pinheiro, ex-presidente da OAS; mensagens do arquiteto e executivo da OAS, Paulo Gordilho, além de testemunho de que ele sabia que o triplex se destinava a Lula; testemunho do gerente da OAS que disse ter levado a ex-mulher de Lula, Marisa, e seu filho Fábio Luis para visitar o triplex em 2014, além de outro testemunho do zelador que afirmou que Lula também esteve lá; depoimento de Leo Pinheiro que afirmou que tratou do triplex de Lula diretamente com ele em 2014; e de Agenor Franklin Magalhães, na época diretor da OAS, que confirmou o pagamento de propinas na Petrobras, dizendo ainda que ouviu que o triplex e o sítio em Atibaia seriam descontados do crédito do Partido dos Trabalhadores como parte de vantagens indevidas; tudo isso, ainda, sem citar as famosas contradições do então ex-presidente em seus depoimentos e a baderna nas contas do Instituto Lula que ligavma a instituição às incongruências do sítio e do triplex.
Mas a justiça, a vítima mor dessa decisão, deve ser clamada nesse instante, pois, se “a lógica do erro” ainda pode ser chamada assim, devo dizer que Toffoli apenas seguiu a “lógica” da cartilha que o STF já há muito parece ter definido como a estratégia da Corte. Desde que se iniciou o processo jurídico ‒ e distópico ‒ de limpar a ficha criminal de Lula, possibilitando a todo custo a sua candidatura em 2022, anulando sua sentença, além de outros atos mais que buscam agora reescrever os fatos históricos recentes, me parece que perseguir e humilhar os que antes corretamente puniram Lula por seus crimes seria o óbvio passo seguinte dessa lista bisonha de militância da Suprema Corte brasileira.
Isso é uma clara distopia real, os ministros do STF estão tentando reescrever a história recente do país, descondenando Lula, reajustando suas condutas passadas, alvejando e lapidando sua moralidade pública na esperança de que o povo esqueça a sua “capivara”. Um trabalho árduo, mas que conta com eficientes e subservientes faxineiros jurídicos e históricos. Como seria maravilhoso um “neuralizador” do ‘MIB – homens de preto’ nesse momento, não é Toffoli? Fato é que Dias Toffoli parece emular aqui o comediante norte-americano Groucho Marx, artista genial que ficou célebre por sua ironia fina, e em uma das suas mais conhecidas frases, afirmou: “Afinal, você vai acreditar em mim ou em seus próprios olhos.” “Afinal, vai repetir o que definimos como verdade ou quer ser processado por fake news?”, diria seu parceiro de toga e autoritarismos.
O que pode tranquilizar Dias Toffoli, todavia, é o fato de que ele realmente não está sozinho nessa empreitada. Talvez centenas de jornalistas, escritores e demais intelectuais estão a postos para criar teorias acadêmicas, matérias jornalísticas e livros respeitadíssimos com o intuito de purificar o rastro político e moral de Lula para as próximas gerações. Corrupção na Petrobras? Acordos de propinas com empreiteiras? Presentinho como triplex no Guarujá e sítio em Atibaia? Tudo peça de conspiração de reacionários procuradores, ilusão coletiva, nunca existiu… Lula é o homem mais honesto do Brasil… Repitam isso até se tornar verdade, e olhem lá, se não repetirem, “fake news”… já sabem, né…
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