Folha de São Paulo
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Líderes do centrão se uniram a apoiadores de Jair Bolsonaro (PL) no Congresso e preparam uma nova proposta de revisão do foro especial. A articulação é uma resposta ao julgamento do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre o tema.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), sinalizou a aliados que pode levar adiante uma PEC (proposta de emenda à Constituição) para transferir os processos de parlamentares para os TRFs (Tribunais Regionais Federais) ou para o STJ (Superior Tribunal de Justiça).
O principal objetivo é tirar do Supremo o poder de julgar e aplicar medidas cautelares contra políticos com mandato.
O STJ é hoje responsável por analisar, por exemplo, casos de governadores, desembargadores e integrantes de Tribunais de Contas dos estados. Os processos só chegam ao STF em caso de recurso.
A ideia vem sendo discutida há algumas semanas e ganhou força após a Câmara ter decidido manter a prisão do deputado Chiquinho Brazão (sem partido-RJ), preso sob suspeita de ser um dos mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), em 2018.
A nova proposta seria uma alternativa à discussão anteriormente defendida pelos bolsonaristas, que pediam o fim do foro especial e a remessa de processos contra parlamentares para a primeira instância.
Já integrantes do centrão preferem uma espécie de meio-termo. Na avaliação desse grupo, magistrados de primeira instância, que guardam conexões com diferentes grupos de poder em seus estados, seriam mais suscetíveis a interferências políticas.
Hoje, os parlamentares têm foro especial no STF -isto é, são julgados pela mais alta corte do país- por crimes cometidos durante o mandato e relacionados ao exercício do cargo.
A regra foi definida pelo próprio Supremo em 2018. A definição reduziu a quantidade de processos que tramitam no tribunal. Dados de 2022 do STF mostram que o número de ações penais e inquéritos na corte caiu 80% em relação ao período vigente antes da mudança da norma.
Os ministros, no entanto, discutem uma alteração na norma para ampliar a competência de julgar os parlamentares e outras autoridades --ou seja, manter esses políticos sob sua jurisdição, mesmo quando os fatos julgados ocorreram antes do início do mandato e não têm relação com o cargo.
O tribunal já tem cinco votos para determinar que o foro seja mantido mesmo depois do fim do mandato parlamentar de políticos por qualquer causa --renúncia, não reeleição ou cassação.
Caso o novo entendimento do Supremo seja firmado, boa parte dos processos de parlamentares continuaria nas mãos do STF, o que aumenta o poder de pressão da corte em relação ao Legislativo, que tem encampado uma série de propostas que contrariam os magistrados.
Nos bastidores do Supremo, a avaliação é que a mudança se faz necessária para que os ministros tenham mais poder sobre os parlamentares. Além disso, o foro serviria para proteger os próprios magistrados de ações de opositores depois que eles se aposentarem da corte.
A prisão do deputado Chiquinho Brazão, no final de fevereiro, reiniciou discussões no Congresso sobre o foro especial. A decisão da Câmara de mantê-lo detido deve acelerar as conversas.
A confirmação da prisão de Brazão foi aprovada por 277 a 129 votos na quarta-feira (10). Eram necessários 257 votos para confirmar a medida, determinada pelo ministro Alexandre de Moraes e confirmada pela Primeira Turma do STF.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, a votação no plenário da Câmara enfraquece Lira. Isso porque o grupo do presidente da Casa encabeçou articulações para derrubar a prisão do deputado, num apelo ao espírito de corpo e à autoproteção dos parlamentares.
Lira relatou em conversas reservadas ter ficado contrariado com a decisão dos pares. O deputado minimizou inclusive o resultado, alegando que 277, apenas 20 a mais que o necessário, não significam uma vitória expressiva do STF.
A rediscussão do foro especial e o interesse de reagir a decisões do Supremo estão inseridos nesse mesmo contexto.
Os críticos da ordem de prisão argumentam que a decisão dada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes e referendada pela 1ª Turma da corte desrespeita a Constituição, que permite a prisão de parlamentar no exercício do mandato apenas em flagrante e por crime inafiançável.
A justificativa dos aliados de Lira era que referendar o Supremo abriria um precedente perigoso por violar prerrogativas de parlamentares.
O líder da União Brasil, Elmar Nascimento, foi o principal articulador nesse sentido a fim de impor uma derrota ao STF e declarou publicamente que votaria contra a prisão, na terça (9).
Outros nomes próximos ao presidente da Casa não participaram da votação desta quarta para tentar evitar os votos suficientes para revogar a prisão.
O PL, do ex-presidente Jair Bolsonaro, também orientou sua bancada pela revogação da prisão. O resultado significou uma vitória para a base do governo Lula (PT).
Integrantes do Planalto entraram em campo nesta quarta para garantir votos a favor da manutenção da prisão.
O julgamento sobre a revisão do foro especial no Supremo está interrompido após pedido do presidente da corte, Luís Roberto Barroso. O ministro foi o principal fiador da tese de 2018 que derrubou a prerrogativa de foro no STF para autoridades.
Segundo pessoas próximas, Barroso avalia que o voto do relator do caso, ministro Gilmar Mendes, não apenas retoma o benefício aos parlamentares, como amplia os poderes do Supremo. Ainda assim, a tendência do STF é alterar a regra.
Nenhum comentário:
Postar um comentário