sábado, 8 de junho de 2024

Votação que negou banheiro feminino compartilhado com trans frustrou Barroso

Foto: Reprodução/Mateus Bonomi/Anadolu Agency via Getty Images.


A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de não prosseguir com a análise do recurso apresentado por uma costureira transexual, que foi proibida de utilizar o banheiro feminino em um shopping de Santa Catarina, gerou descontentamento entre os membros progressistas da Corte, desapontou ativistas dos direitos humanos e revelou não somente as divisões internas do tribunal, mas também a hesitação do STF em abordar temas relacionados à “pauta de costumes”. As informações são de O Globo.

Este incidente também destaca a relutância da Corte em lidar com assuntos ainda mais sensíveis, como a descriminalização do aborto, questão que o presidente do Supremo, Luís Roberto Barroso, considera que ainda não está suficientemente madura na sociedade brasileira para um veredito judicial.


O pedido da costureira transexual, vítima de discriminação em Santa Catarina, chegou ao STF em outubro de 2014 e permaneceu em espera por sete anos devido a um pedido de vista do ministro Luiz Fux, que na época justificou a necessidade de mais tempo para análise devido a um “profundo desacordo moral na sociedade” sobre o tema.

“Vejo-me obrigado a pedir vista, pois percebo que a decisão terá um impacto significativo”, declarou Fux em maio de 2016, quando o debate teve início com um placar preliminar de 2 a 0 a favor da costureira.


Fux devolveu o processo para julgamento apenas em junho de 2023, e a deliberação do caso foi finalizada na última quinta-feira (6), apesar da pressão para que o relator e presidente do STF, Luís Roberto Barroso, adiasse a discussão.

No episódio em questão, a costureira transexual Amanda Fialho relatou ter sido barrada ao tentar acessar o banheiro feminino por funcionários do Beiramar Shopping, em Santa Catarina, em 2008.


Insultos como “Traveco” e “você tem que usar o banheiro dos homens porque você é isto aí” foram algumas das ofensas que ela teria escutado dos empregados. O shopping defendeu em juízo que, embora Amanda “se sinta como mulher”, sua presença no banheiro feminino causaria “constrangimento no local”.

Em novembro de 2014, o plenário do STF, com o voto favorável de Fux, reconheceu a existência de uma questão constitucional: a violação à dignidade humana decorrente da proibição do uso do banheiro.


Essa classificação é relevante pois, quando um caso é definido como de repercussão geral, o resultado do julgamento se aplica a todos os processos judiciais em todas as instâncias que tratam do mesmo tema. O processo da costureira poderia influenciar pelo menos 778 ações similares.

Entretanto, na sessão desta semana, Fux, em uma atitude rara, alterou seu próprio parecer e argumentou pela anulação da repercussão geral, citando razões processuais.

O argumento utilizado foi que, ao condenar o shopping a compensar a costureira trans por danos morais, o judiciário catarinense baseou-se no Código de Defesa do Consumidor (CDC) para focar sua análise na questão dos danos morais, sem abordar diretamente o direito fundamental das pessoas trans. O shopping foi derrotado em primeira instância, mas recorreu e o Tribunal de Justiça de Santa Catarina anulou a indenização, alegando que o ocorrido não configurava “dano moral, mas mero dissabor”. Diante da reviravolta, a costureira recorreu ao Supremo.

“O STF não tem a prerrogativa de examinar uma questão fática. Qual foi a base da decisão? O TJ-SC concluiu que não existem provas de que a abordagem foi realizada de maneira grosseira ou motivada por preconceito ou transfobia. Onde está a questão constitucional neste caso?”, questionou Fux, em uma reviravolta surpreendente que foi endossada por outros sete ministros: Flávio Dino, Cristiano Zanin, André Mendonça, Kassio Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli e Gilmar Mendes.

Na prática, ao revogar a repercussão geral e negar o recurso, o STF optou por não tomar uma decisão – mantendo válida a sentença do TJ de Santa Catarina, que isentou o shopping de pagar a indenização.

Somente Barroso, Edson Fachin e Cármen Lúcia votaram a favor do recurso da costureira, o que levou observadores a concluir que o segmento progressista do tribunal está agora limitado a três ministros. Em 2014, a maioria havia concordado com a existência de uma questão constitucional.

Ao término da sessão, Barroso expressou sua insatisfação com o desfecho. “Registro minha inquietação, pois o que realmente importa é a natureza constitucional do fato, e não a menção a um dispositivo específico. A discriminação contra uma pessoa transexual é claramente inconstitucional”, declarou o presidente do STF, visivelmente contrariado.

“Portanto, não é a classificação jurídica apresentada na petição inicial, mas a dimensão constitucional do caso em discussão que é determinante. É o que os livros ensinam”, finalizou.

Para o advogado de direitos humanos Paulo Iotti, mesmo que o STF não tenha negado o direito das mulheres trans ao uso do banheiro feminino, optando por não julgar o caso, “a decisão carrega um simbolismo negativo, especialmente durante o Mês do Orgulho LGBTI+”.

“Isso depois de nove anos de um pedido de vista do ministro Fux, prática que o ex-ministro Marco Aurélio criticava, esses longos e, com todo o respeito, injustificáveis períodos em que um ministro retém o processo.”

Em um cenário onde pautas conservadoras ganham força no Congresso e o governo Lula enfrenta derrotas consecutivas em questões como a liberação temporária de presos, o Supremo era visto como um bastião na defesa dos direitos das minorias.

No entanto, as nomeações de ministros conservadores por Bolsonaro – André Mendonça e Kassio Nunes Marques – e por Lula – o ex-advogado pessoal do presidente Cristiano Zanin Martins – alteraram essa percepção.

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