Quer se manter informado, ter acesso a mais de 60 colunistas e reportagens exclusivas?Assine o Estadão aqui!

Para surpresa de rigorosamente ninguém, bastaram poucas horas após as explosões na Praça dos Três Poderes para um incontido ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), estufar o peito e ostentar as suas credenciais de plenipotenciário guarda-costas da democracia no País. Moraes apressou-se em vincular fatos, associar o homem-bomba ao 8 de Janeiro e, sobretudo, pontificar contra uma eventual anistia aos golpistas. Ademais, arvorou-se em analista político e, como se tudo isso não bastasse, instrumentalizou sua cadeira de ministro do STF para vender a ideia de que seria o juiz universal da defesa do Estado Democrático de Direito no Brasil. A sociedade já testemunhou uma história muitíssimo parecida e sabe muito bem como isso termina.

Como afirmamos ontem neste espaço, o atentado perpetrado por Francisco Wanderley Luiz expõe o risco da banalização da retórica de intolerância política que se tornou marca indelével do bolsonarismo. Tolerar atos antidemocráticos significa, no limite, premiá-los com a impunidade. Mas não cabe ao sr. Moraes, evidentemente, vir a público e dizer o que acha ou deixa de achar sobre aquele terrível evento e suas eventuais repercussões políticas e, principalmente, jurídicas. É cansativo para este jornal ter de relembrar a um ministro da Suprema Corte que, em uma República democrática, magistrados podem ter muito poder, mas não sobre tudo.

Neste momento, é absolutamente irrelevante a opinião de Moraes – ou de qualquer outro ministro do STF – sobre os fatos ocorridos em Brasília e seus desdobramentos. O que ele tem a dizer, que o diga eventualmente nos autos. Se uma descabida anistia for aprovada no Congresso para livrar da punição a massa golpista que invadiu as sedes dos Três Poderes e aqueles que a incitaram a fazê-lo, é certo que o caso chegará ao Supremo para que seus onze ministros decidam sobre a sua constitucionalidade.

Poucas pessoas ainda ousarão negar as evidências de que o homem-bomba era alguém disposto a manifestar com violência todo o ódio nutrido contra o STF e seus ministros. Só o próprio Bolsonaro, seus apoiadores mais fiéis e eventuais interessados em tramas ardilosas para retornar ao poder são capazes de, agora, seguir defendendo abertamente a anistia aos envolvidos nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023. Nem é preciso esperar a conclusão das investigações para reconhecer o acinte que é falar em anistia para golpistas, a menos que já não se queira mais viver sob a égide da Constituição de 1988.

A loquacidade de Moraes, por si só problemática, ainda deu azo a declarações inoportunas de alguns de seus pares. Houve até quem usasse o caso para pregar a regulação das redes sociais – um tema afeito ao Congresso, naturalmente. Mas é a título de defender a democracia, concentrar sua artilharia contra as plataformas digitais e politizar o STF que Moraes concentra poderes em um grau que nem as leis nem a Constituição o autorizam, sob o beneplácito do colegiado do Supremo. Na condução dos secretos, infindáveis e onipresentes inquéritos das fake news, das milícias digitais e dos atos antidemocráticos, Moraes, é forçoso dizer, lançou-se em uma escalada autoritária. O atropelo de ritos processuais, a produção de provas contra suspeitos fora do processo regular e a arrogância na contestação de críticos de boa-fé, confundindo-os como inimigos da democracia e do STF, integram seu farto arsenal.

E assim Moraes se converteu em uma espécie de versão atualizada do hoje senador Sergio Moro (União-PR): um juiz embevecido pelas próprias virtudes, incapaz de controlar-se diante das câmeras e indômito no atropelo da lei para atingir um fim socialmente importante.

Não há dúvida de que, sem algumas decisões do STF e do Tribunal Superior Eleitoral, a democracia estaria em risco no País. Mas falar demais e arrogar para a Corte competências que não são suas, entre muitos outros exemplos, evidencia como Moraes, no momento em que o País precisa de tranquilidade, contribui para alimentar o próprio extremismo que ele decidiu combater.