segunda-feira, 3 de março de 2025

Além da fé: líderes religiosos usam autoridade para abusar de fiéis Ao Metrópoles, psicóloga explicou como os líderes religiosos se aproveitam dos fiéis para realizar os abusos

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Dois escândalos envolvendo abusos sexuais por parte de líderes religiosos ficaram em evidência nesta semana. Um pai de santo foi condenado a 259 anos de prisão por estupro de sete meninas no Rio Grande do Sul. Um pastor foi condenado a 45 anos por abusar sexualmente das filhas gêmeas adotadas em Alagoas. Os dois casos trazem luz para como as autoridades religiosas abusam da relevância entre os fiéis para cometer crimes sexuais.


Estupro de vulnerável por líderes religosos

  • O pai de santo de 59 anos condenado a 259 anos, na última segunda-feira (24/2), pela Justiça do Rio Grande do Sul pelo estupro de sete meninas realizou os crimes entre 2009 a 2024.
  • Dentre as vítimas, estavam enteadas e uma neta, abusadas antes de completarem 14 anos, o que configurou estupro de vulnerável.
  • O pai de santo, após abusar das vítimas, dizia que o ato fazia parte de um “processo de purificação”. O líder religioso pedia segredo dos fatos, em alguns casos sob ameaça e agressões.
  • Um pastor evangélico de 79 anos foi condenado a 45 anos de prisão por abusar sexualmente das filhas gêmeas adotadas.
  • O caso ocorreu em maio de 2022, na zona rural de Craíbas, interior de Alagoas.
  • O suspeito estava preso desde o ano passado quando uma das meninas denunciou os abusos pelas redes sociais. Além dos 45 anos de prisão, ele também foi condenado a dois meses e seis dias de detenção por ameaçar as vítimas de morte.

Ao Metrópoles, a psicóloga e diretora de saúde do Me too Brasil, Mariana Luz, esclareceu que os líderes religiosos estão em posição de poder em relação aos fiéis que orientam. Os seguidores dos líderes colocam a referência religiosa num pedestal, muitas vezes inconscientemente.

Para Mariana Luz, essa influência pode favorecer o líder religioso, com perfil de agressor sexual, a verificar uma fragilidade na vítima e iniciar a série de abusos. “Essa pessoa não agiu apenas uma vez e não vai parar após uma única ocorrência. É um perfil que busca pessoas vulneráveis. Ser um líder religioso facilita o contato com indivíduos que estão em situação de vulnerabilidade, que estão sofrendo e buscando na fé uma ferramenta para superar dificuldades na vida”, explica.

“No caso de crianças, além do perfil de um agressor sexual, estamos falando de um pedófilo. Ele não vê a criança como um ser humano, um ser vivo, mas sim como um objeto que serve para seu próprio prazer.”

A psicóloga elucida que a fé é apenas um caminho para o agressor sexual encontrar possíveis vítimas. Mariana Luz destaca que esse perfil de agressor é caracterizado como predador, porque assim como como o leão, como os animais selvagens, observam o melhor momento para atacar. O predador percebe o comportamento e, tenta às vezes, inclusive, afastar a “presa”. “Ele não é um religioso de verdade. Ele usa a religião como uma ferramenta de manipulação”, analisa.


Medo para denunciar abusos

  • Para a representante da Me too Brasil, organização sem fins lucrativos que apoia vítimas de violência sexual a romperem o silêncio, em certos casos, as vítimas, não só de líderes religiosos,  demoram muito para denunciar os abusos sofridos porque se sentem culpadas, tendo vergonha e medo de não acreditarem.
  • “Como a sociedade tende a desacreditar muito, principalmente meninas e mulheres — que são os principais perfis das vítimas de abusadores e agressores sexuais —, essas vítimas optam por silenciar. Elas acham que fizeram algo errado, que poderiam ter evitado a situação de alguma forma”, aponta Mariana Luz

A questão da “purificação” utilizada como justificativa para abusos por parte de líderes religiosos é um exemplo perturbador de como a fé e a confiança podem ser manipuladas para fins predatórios. De acordo com Mariana Luz, esses indivíduos, ao se apropriarem de rituais e crenças sagradas, distorcem o significado espiritual de práticas como o toque ou a interação física, transformando-as em ferramentas de violência e dominação.

“O vínculo e a confiança, que normalmente são estabelecidos de alguma forma no caso de qualquer predador sexual, são manipulados pelo líder religioso, que usa esses rituais de purificação como justificativa. Isso pode, sim, fazer com que a pessoa demore mais tempo para perceber que está sendo vítima de abuso”.

O sentimento de culpa é algo bastante presente nas vítimas de abuso sexual. Além da culpabilização, outros processos traumáticos podem ocorrer. Em geral, as vítimas podem desenvolver insônia, terrores noturnos, dificuldade para dormir, ansiedade, depressão, pensamentos suicidas, mudanças de humor, alterações no apetite e no comportamento. Segundo Mariana Luz, quando a vítima é criança, ela pode acabar se retraindo tanto emocionalmente e fisicamente.

Como acolher?

Mariana Luz reforça a importância de uma boa rede de apoio a vítima. “Não duvide, escute e fique ao lado dessa pessoa. É imprescindível a psicoterapia. Se a pessoa está em contato com um psicólogo durante esse processo intenso, isso ajuda a ressignificar o trauma, permitindo que ela deixe de se ver apenas como uma vítima e caminhe para o que chamamos de ‘sobrevivente’. Ou seja, alguém que passou por um trauma profundo, mas que conseguiu, de alguma forma, dar continuidade à vida”, garante.

“Também pode ser muito importante um atendimento multidisciplinar, envolvendo, por exemplo, advogados e assistentes sociais, dependendo da situação. Isso não só auxilia no processo de acolhimento e fortalecimento da rede de apoio, mas também na busca por justiça, caso a pessoa queira denunciar. Então, os principais pilares são a rede de proteção e os equipamentos públicos que trabalham para garantir que mulheres (e outras vítimas) tenham justiça em casos de violência sexual”.

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