Em 2022, quando Lula foi eleito, eram grandes as esperanças de uma mudança política. Infelizmente, a coisa ficou na esperança. Bolsonaro não está mais no poder, mas o bolsonarismo segue determinando as pautas no Brasil.
Quando, em 2022, Luiz Inácio Lula da Silva foi mais uma vez eleito presidente, eram grandes as esperanças de uma mudança política de verdade. Infelizmente, a coisa ficou na esperança. A esquerda brasileira, ocupada sobretudo com a política identitária (e menos com a leitura de Karl Marx), se deixou cegar pela nomeação de representantes de grupos desfavorecidos e discriminados (Anielle Franco, Silvio Almeida, Sônia Guajajara) para chefiar ministérios de pouca influência.
Para poder sequer governar, contudo, Lula teve que fechar alianças com o velho Centrão, que, por sua vez, se associou ao petista para poder se sentar à mesa do poder e estar perto dos potes de dinheiro. Na realidade, o Centrão preferiria continuar governando com Jair Bolsonaro. Assim, impera no Congresso brasileiro uma sólida maioria (e um clima) à direita do centro. É o resultado de um sistema eleitoral que não representa a população do Brasil, mas sim as velhas elites brancas, que pouco interesse têm em transformação social.
Ao que tudo indica, Lula – que não para de agir como se pensasse que está em seu primeiro ou segundo mandato – subestimou inteiramente o problema, apostando alto no próprio carisma político – o qual ele crê ser irresistível, como provaram, por exemplo, suas ingênuas declarações sobre a invasão da Ucrânia pela Rússia.
O resultado não é uma mudança política, mas a continuação da agenda do Bolsonaro sob o presidente Lula: são as propostas da autoria dos bolsonaristas que definem o discurso no Brasil.
Ultradireita abre sua caixa dos horrores
A última ideia da caixa dos horrores da ultradireita brasileira é a PL do aborto. Uma lei imaginada por fanáticos religiosos, com o único fim de controlar as mulheres e agitar as emoções. Se a direita brasileira e os evangélicos realmente dessem tanto valor à vida quanto afirmam, eles exigiriam programas sociais melhores para as famílias e para as mulheres, assim como mais verbas para a educação e a saúde; se empenhariam por salários iguais para mulheres e homens, e algo como licença parental para ambos os genitores.
Não é só a PL do aborto a mostrar quem dita a agenda política no Brasil. Após 24 anos de espera, em novembro de 2023 a "PL do veneno" foi aprovada dentro de apenas quatro horas. A lei facilita o emprego de pesticidas, embora o país já seja campeão mundial do uso, e também do consumo, de agrotóxicos.
O governo Lula tem Sônia Guajajara como ministra dos Povos Indígenas. Entretanto, desde 2023, a demarcação de terras indígenas não é mais da alçada da Funai, mas do Ministério da Justiça. Para o Ministério Público Federal, trata-se de um "preocupante retrocesso jurídico na garantia e proteção dos direitos territoriais".
Também em 2023 foi aprovado o marco temporal sob o governo de Lula – o qual, ao tomar posse como presidente, subiu a rampa do Palácio do Planalto junto com o cacique Raoni, com grande efeito midiático. Na Câmara, 283 deputados votaram a favor, apenas 155 contra. A iniciativa, que define o ano 1988 como marco para demarcação de terras indígenas, é um projeto 100% bolsonarista.
No Congresso, a maioria tem derrubado sistematicamente os vetos de Lula contra as propostas de lei bolsonaristas. Na Câmara dos Deputados, a proporção dos votos contra o governo Lula é de três para um; no Senado, de dois para um. A gente começa a se perguntar quem está realmente governando o Brasil.
Outra proposta da caixa dos horrores bolsonarista: a privatização das praias brasileiras. A discussão sobre esse projeto absurdo, rejeitado pela grande maioria da população, vai mais uma vez consumir um volume enorme de tempo e energia.
E desse modo a parcela sensata da sociedade fica praticamente o tempo todo ocupada em rechaçar propostas retrógradas ou danosas – embora dois anos atrás ela tenha votado por uma mudança. Bolsonaro não é mais presidente, mas o bolsonarismo continua definindo a pauta. Dá a sensação de estar no filme errado.
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Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais da Alemanha, Suíça e Áustria. Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.
O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.
Autor: Philipp Lichterbeck
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