As cadeias alimentares e os ecossistemas são completamente conectados e interdependentes, mas nem sempre é fácil enxergar como as sociedades humanas são dependentes de animais silvestres. Fica ainda mais difícil dar valor aos bichos se eles não forem animais tidos como fofos ou fotogênicos.
Entretanto, seja ele feio ou bonito, cada animal tem uma importância no ecossistema que dividimos. Um estudo publicado na revista Science aponta que uma doença fúngica que atingiu morcegos nos EUA no começo dos anos 2000 culminou em mais de mil mortes de bebês humanos e causou um prejuízo de US$ 27 bilhões entre 2006 e 2017 (aproximadamente R$ 150 bi).
Vamos entender como ocorreu esse efeito dominó.
Embora sejam temidos e vilanizados, os morcegos prestam serviços importantes para o meio ambiente. Eles participam de processos de polinização das plantas e se alimentam de pequenos insetos e aranhas.
Em 2006, pesquisadores identificaram que os morcegos da Caverna Howe, em Nova Iorque, tinham uma massa felpuda e branca crescendo em seus focinhos. Foi a primeira vez que identificaram a síndrome do nariz branco, uma infecção por fungos invasores que devastou a população de morcegos da região.
Sem a ameaça dos morcegos, os insetos fizeram a festa nas plantações, e as colheitas rendiam cada vez menos. Para tentar conter o prejuízo, os agricultores passaram a utilizar 31% mais pesticidas.
Agora, um estudo aponta as consequências dos dois fenômenos na saúde pública e economia. Já existem outros estudos estatísticos que mostram que mesmo uma pequena piora na qualidade do ar ou da água afeta sensivelmente a taxa de mortalidade de bebês por motivos internos (ou seja, não inclui mortes violentas ou acidentais).
No caso discutido, o autor fez uma simulação em que considerou diferentes variáveis para ter certeza que se tratava de uma relação de causa e consequência, não apenas uma coincidência nos números. As análises confirmaram que o aumento do uso de pesticidas aumentou a taxa de mortalidade dos bebês em 8% nas regiões estudadas. Na prática, isso representa a morte de cerca de 1,3 mil bebês entre 2006 e 2017.
Suas análises não encontraram outras mudanças culturais, econômicas ou de saúde pública que expliquem os resultados observados. ,
O caso é semelhante ao dos abutres no continente sul-asiático: a partir dos anos 90, o uso de um remédio no gado impactou profundamente a população de abutres que se alimentam das carcaças. Foi a extinção mais rápida já registrada, e hoje restam menos de 1% dos abutres que haviam lá nos anos 80.
Os abutres não produzem muita simpatia entre os humanos, mas o seu sumiço causou mais de 500 mil mortos, um aumento de 4% na taxa de mortalidade indiana e custos econômicos de US$ 70 bilhões por ano.
Mas nunca é fácil estabelecer essas relações, já que os ecossistemas são tão vastos e os impactos são tão difusos. O autor da pesquisa sobre os morcegos nos EUA, Eyal Frank, explica em seu artigo que isso aumenta o risco de que os políticos tomadores de decisões não estejam bem informados no momento de tomar decisões “entre preservar a natureza ou permitir um desenvolvimento econômico adicional às suas custas”.
Em comunicado, Frank resume: “Quando os morcegos não estão mais lá para fazer seu trabalho de controle de insetos, os custos para a sociedade são muito grandes, mas o custo da conservação das populações de morcegos é provavelmente menor”.
“De forma mais ampla, este estudo mostra que a vida selvagem agrega valor à sociedade, e precisamos entender melhor esse valor para informar as políticas de proteção.”, completa Frank.
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